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Mãe, o seu peito não é motivo de vergonha

Dias antes de representar a Rainha da Bateria da Unidos de Vila Isabel,Sabrina Sato divulgou em seu Instagram uma foto com os peitos protegidos apenas por duas bocas, que cobriam essencialmente os bicos. A foto foi bem recebida por muitos fãs, que enfatizaram a perfeição do seu corpo, já outros reagiram com comentários negativos: “ela ta parecendo uma p u t a” e, o que nos chamou muita atenção: “só não pode amamentar em lugar público”.

A foto foi publicada dias antes da festividade (Reprodução/Instagram)

Desde o anúncio da festividade pelas mídias tradicionais, como a famosa Globeleza, quanto a exposição nas avenidas dos corpos femininos nus, em dias de desfile, o Carnaval é a época dos seios a mostra em abundância. Tal ritual é sempre marcadamente registrado pelas grandes mídias: Veja quem desfilou com os seios à mostra no Carnaval de 2014.

A modelo Ju Isen causou certa “polêmica” neste Carnaval. Tudo começou quando Ju, que desfilou para a Unidos do Peruche, quis entrar usando apenas um tapa-sexo com uma imagem contra o governo Dilma. Tal expressão de manifestação política é proibida durantes os desfiles, e a modelo foi obrigada a mudar a roupa. Mesma assim, enquanto desfilava, como protesto por ter tido sua vontade silenciada, Ju Isen retirou a parte de cima de sua roupa e foi retirada as pressas (e com brutalidade) para fora da avenida, além de ter sido empurrada e ter caído bruscamente no chão.

Em resposta ao ato da modelo, o presidente da Unidos do Peruche, Ney de Moraes, afirmou: “O que ela fez não foi legal. Tem um monte de criança, um monte de gente. Isso só acaba denegrindo a imagem do carnaval".

Apesar de ter mostrado os peitos por causa da sua indignação, nos perguntamos qual a diferença entre Ju Isen e as mulheres que originalmente já sairiam com os peitos a mostra, como a Mulher Melão. E o Carnaval é uma festividade que realmente se priva de assuntos e mensagens de “teor adultos” para incluir crianças?

Deixamos claro que apoiamos Sabrina Sato, e as demais mulheres expostas aqui, a cuidarem do seu corpo e expo-lo do modo que bem entenderem, afinal, são seus corpos. Mas, assim como os peitos e corpo da apresentadora são bem recebidos pelo público em geral, gostaríamos de ver essa liberdade sendo praticada por mulheres que amamentam seus filhos.

O peito exposto no carnaval, ou em qualquer momento, em qualquer mídia, sendo como objeto de adoração do homem, nunca é recebido por terceiros tão negativamente quanto o peito com a função de amamentar. O peito que dá forças para o crescimento tão especial do vínculo afetivo mãe e filho foge, sem dúvidas nenhuma, da futilidade de servir às expectativas do homem.

Numa sociedade tão contraditória quanto a brasileira, a mulher necessita ser recatada para manter os bons costume de “mãe”, mas deve também saciar os desejos dos homens, servi-los com seu corpo, mostrá-lo, para ser julgado por muitos, mas aplaudido por outros. Esses costumes são tão presentes e enraizados que foram até mesmo caricaturados na animação americana Os Simpsons:

A sátira ácida faz referência a apresentadoras de programas infantis (Reprodução)

O episódio tão polêmico traz a família Simpson para o Brasil. Logo ao chegar no hotel, Bart liga a televisão em um programa infantil e se depara com a apresentadora expondo seu corpo de tal forma. Exagero? Não, não é. Os programas infantis nos anos 90 eram realmente duvidosos:

Apresentadora Xuxa no seu programa Show da Xuxa (Reprodução)

E por que todo esse papo de Carnaval?

A festividade passou faz tempo, mas queríamos ressaltá-la porque exemplifica melhor os “dois pesos duas medidas” que estamos discutindo. Temos de um lado o peito da mulher sendo adorado por homens, sexualizado ao extremo, ao ponto de ter a sua função principal ignorada/menosprezada.

O “outro lado” é o que produz leite, o que liga a mãe ao seu filho, nos primeiros meses de vida. O que o ajuda a criar anticorpos e crescer saudável não só do lado físico, mas também emocional. Apesar da luta diária de mães de atuar com sua liberdade básica, alimentar seu bebê quando ele sentir fome, a sociedade - e aqui homens e, pasmem, mulheres - ainda a cobram para que não exponha os peitos nesse momento tão importante de união.

São hostilizadas, mandadas alimentá-los em banheiros públicos, em um "cantinho", em locais inadequados para tal ação, ou em casa.

Em janeiro deste ano, a deputada Manuela D’Ávila foi alvo de comentários maldosos em seu perfil no Instagram, por postar uma foto na qual amamentava a filha enquanto dormia. A deputada é uma das responsáveis pela Lei de Amamentação no Rio Grande do Sul, inspirada na de São Paulo, que prevê que nenhum estabelecimento comercial possa hostilizar ou expulsar a mãe que decida alimentar seu filho no local.

Sobre as reclamações de “exposição desnecessária”, Manuela respondeu sobre a importância dessa lei - vista como “bobagem” - e ato de se livrarem de preconceitos e reações negativas.

Afinal, esses aspectos da maternidade, como ela realmente é, as dificuldades, estranhezas, medos e descobertas, não costumam ser muito debatidas na mídia.

Quantas entrevistas com mulheres famosas você já viu e em sua resposta sempre surgia o discurso de “ser a melhor época da sua vida”, “está vivendo incrivelmente bem”. E as noites mal dormidas? E quando o bebê não se adaptou tão facilmente a mama da mulher? E os medos com os choros, febres? E a preocupação de sair na rua com ele e o bebê sentir fome? O lado difícil da maternidade é pouco retratado, e o que Manuela fotografou foi apenas mais um momento típico de casas com bebês.

Conversamos com várias mães, de primeira e segunda viagem, sobre suas experiências com seus filhos. Raquel, Telma, Ana Carolina, Cíntia e Patty não se conhecem, mas todas defendem o mesmo ponto: a importância do aleitamento materno como vínculo afetivo com seu bebês.

“Eu acho que muito injusto quererem que proíba uma mãe de amamentar seu filho em público, sendo que nas revistas, nas novelas e em desfiles de carnaval, as mulheres saem quase nuas”, conta Cíntia. Antes de ter sua bebê, Cíntia sentia que as mães nas ruas amamentavam seus filhos com certo constrangimento, mas quando ela se tornou mãe, entendeu quão natural era a ação, e não tem vergonha de alimentar sua filha quando ela sente fome fora de casa.

Perguntamos para todas as mães se elas usavam bomba para retirar o leite do peito e levá-lo numa mamadeira para dar de mamar aos bebês quando saíssem. Todas disseram não. Nem sempre é fácil aprender a se desfazer desse constrangimento de expor o peito gerado pela sociedade. Telma, nos primeiros meses da sua bebê, procurava alimentá-la sem “plateia”: até mesmo em casa, quando surgiam visitas, ela se retirava para o quarto.

Algumas vezes, em locais públicos, chegou a tampar o rosto da sua bebê com um paninho, mas após poucos meses, parou de fazer isso. “O bebê sentiu fome, tem que amamentar sim e ponto final. Cara feia todo mundo faz pra tudo. O filho deve estar muito acima disso tudo pra mãe. Penso que os incomodados é que se retirem do local, e não a mãe com o bebê. A sensação de ter minha filha me olhando nos olhos quando amamentava, foi única. Segurando na minha mão e me olhando nos olhos. Às vezes até um risinho ela me dava. Algo que jamais vou esquecer”, reforçou.

E também perguntamos se elas costumam ver outras mães em locais públicos amamentando. A maioria respondeu que raramente. Patty, que tem atualmente dois filhos, disse que com o primeiro bebê tinha vergonha de alimentá-lo fora de casa, mas quando o filho chora, não tem como ignorar. E ela afirma que, quando se dá conta da importância do vínculo, o preconceito dos outros é totalmente ignorado: "com todas as mudanças que o corpo sofre, noites sem dormir, preocupação, volta ao trabalho, esse preconceito é pequeno diante de você ter o dom de ser mãe. É uma dádiva de Deus, ver meus filhos lindos e com muita saúde".

Ana Carolina ainda está aprendendo com seu bebê a importância de ser mãe, mas nesse poucos meses, ela já passou pela experiência de alguém incomodado pela amamentação em público. “Algumas pessoas me olhavam como se eu tivesse fazendo algo de errado. Em uma clínica onde eu passaria em uma consulta, uma paciente me disse pra tampar meus seios e a cabeça do meu filho, pra ninguém ficar olhando, mas eu respondi com o silêncio e continuei a amamentar meu bebê normalmente", conta. Ana Carolina ainda explica que, além do vínculo e alimentação saudável para o bebê, ela tem bastante leite, então por que não alimentá-lo com o leite materno, tendo todos esses pontos positivos?

Raquel, que sempre alimentou em público sem problemas, afinal, é um ato normal e importante para mãe e bebê, comentou sobre a hipersexualização do peito feminino: "não me importo com que a mulher faça com seu próprio corpo, agora acho ridículo quererem se meter na exposição de um aleitamento materno e acharem normal uma nudez na rua, na TV e na revista".

E completou: "ser mãe é um grande privilégio, conseguir amamentar...Sei que todas querem, mas infelizmente por inúmeros problemas têm mães que não conseguem amamentar, então não podemos deixar de amamentar nossos filhos em qualquer lugar que estejamos por causa de uma campanha ridícula que estão fazendo. É direito nosso como mãe alimentar nossos filhos".

(Elisa Ramos/Divulgação)

Em 5 de março, a Minha Beleza é Minha participou do 1º Encontro da ONG Temos que Falar Sobre Isso. Com o tema amamentação, a palestrante Cintia Ribeiro Santos, enfermeira obstetra, falou sobre a importância do toque pele a pele da mãe com o bebê na amamentação, as dificuldades costumeiras da primeira sugada e como vencê-las, a ligação mãe e filho, o peito que produz pouco o nenhum leite, entre outros.

A confraternização de 27 participantes, mães, casais, avós, grávidas e estudantes, foi um momento especial de troca de ideias, medos e desabafos. A Temos que Falar Sobre Isso abre um espaço único para mães: a pressão da “vida perfeita” na gravidez e pós-parto é desmistificado com apoio a assuntos poucos tratados na mídia e até mesmo na família.

No facebook da ONG, mães podem desabafar e ler artigos escritos por profissionais da área. Assuntos como falta de leite, depressão pós parto, abandono do pai, entre outras dificuldades são aparadas pelo grupo.

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